No vídeo de hoje:
Manutenção: Roça
Viga em arco no.12 – Parte 2
Impermeabilização da parede de taipa
Espaço de Fazer
Desde que comecei a desenhar este projeto, ficou claro que o ideal seria construí-lo a várias mãos. Mas o que é bonito em teoria revela uma série de nós difíceis de desatar na prática.
Como trazer mais gente para trabalhar em algo que não dá dinheiro? Ou cujo modelo de negócio é baseado em longo prazo, ou ainda, como refazer o planejamento para que ele consiga rodar trazendo dinheiro mais cedo?
Tenho pensado muito nessa última parte, mas todos os caminhos apontam para terminar o barracão o mais rápido possível (pelo menos sua versão mínima, com teto e banheiro). E isso… demora.
O Espaço de Fazer, por exemplo, é uma forma de começar a movimentar como um negócio, tirar algum dinheiro disso, por enquanto. É pouco, mas um começo mais lento ajuda a me organizar melhor, a enxergar algumas falhas no modelo (talvez eu precise cobrar pelas lixas e parafusos separado da mensalidade).
Mas nem todo mundo paga mensalidade do espaço, com alguns faço escambo de serviços, até porque quero experimentar modelos que não precisem ser intermediados por dinheiro. Trocas baseadas em relacionamentos. Antigamente não se colocava valor monetário em toda a troca, você simplesmente montava no cavalo e ia ajudar o vizinho a tirar a vaca do brejo, ele te “pagava” com uma rodela de queijo na semana seguinte. Ou só sentando na sua cozinha para um dedo de prosa.
Douglas Rushkoff, teórico de mídia americano, que conheço mais pelo seu podcast Team Human, costuma citar o exemplo da furadeira. Não faz sentido que numa vizinhança cada casa compre uma furadeira mequetrefe que é usada duas vezes por ano. O ideal é que alguém tenha uma boa ferramenta compartilhada por todos ao redor. “Mas aí o problema é que eu precisaria emprestar a ferramenta do vizinho, e falar com ele, e se eu fizer um churrasco no fim de semana eu teria que convidá-lo também.”
Quando foi que se relacionar com as pessoas ao redor se tornou um problema?
E me pego pensando “como não fazer sozinho”? Como trazer mais gente ao projeto, ainda mais pensando nos quatro anos de trabalho que investi até agora, no fato de que as construções estão em uma terra que é de minha família, como superar a insegurança de, talvez, trazer um sócio para esse negócio, como fazer isso com tranquilidade para que a coisa toda não azede mais para frente?
Assim que conseguir ter hospedagens aqui, quero ver se consigo explorar um modelo muito popular em outros países, no qual jovens dedicam algumas poucas horas do dia em sua produção em troca de hospedagem e alimentação por um curto período de tempo. Como fazer isso de forma justa?
Na visão inicial, minha família seria sócia do projeto, mas depois de conversar com várias pessoas, decidimos que o ideal seria eu fazer um empréstimo para construir isso e depois pagar de volta. Às vezes colocar um valor monetário, com o pé no chão, pode ser uma forma de preservar as relações.
Pensando de maneira mais abstrata, a gente lembra que o patriarcado foi inventado para a manutenção da propriedade das terras da família. Ó eu aqui contribuindo para o Sistema. E se parar pra pensar, propriedade de terra nem faz sentido, no máximo a gente empresta um pedaço para cuidar por alguns anos em que estamos morando nesse planeta. É tudo abstração, uma assinatura em um pedaço de papel (ou melhor, em algum banco de dados) que diz que “isso aqui é meu”, só porque, um dia, o governo holandês resolveu comprar uma fazenda num brejo para uns imigrantes que aportaram por aqui com uma mão na frente e outra atrás.
É legal aprender com o senhor Rushkoff a enxergar os sistemas que regem a nossa vida como abstrações inventadas. Dinheiro só tem valor porque é o combinado que a gente faz e renova todo dia.
Ao mesmo tempo, precisamos funcionar dentro do mundo. Pagar a conta de luz, ir no supermercado. Lembro quando o Pindorama, um centro de divulgação de permacultura e bioconstrução, trabalhava o marketing com o bordão “Viver fora do sistema”, o que sempre achei um tanto irônico, já que o objetivo ali seria ter uma produção sustentável (e vendável). Se alguém acreditava que era possível viver de maneira totalmente independente, a pandemia veio com os dois pés no peito pra dizer que você precisa das outras pessoas. A gente precisa de todo mundo.
Tem outra, a invenção do dinheiro precede, em muito, a do sistema capitalista.
E assim volto ao pensamento de que o Espaço Kabouter um dia precisa sustentar minha família, dar dinheiro, e trazer mais gente é dividir esse dinheiro que eu ainda não sei quanto será. Ou quando eu vou conseguir pagar as dívidas que estou fazendo para construir isso.
Enquanto frito os miolos tentando decidir como não fazer sozinho, vou martelando tábua, impermeabilizando taipa, e construindo. E comprando boas ferramentas que possam ser usadas por mais gente.
Um abraço,
Rodrigo vK
Eu morei durante a maior parte da vida numa rua sem saída na periferia de São Paulo. Por muitos anos a nossa casa era a única da rua que tinha um carrinho de mão, que era emprestado a todes, sem exceção. Em algum momento o muito usado carrinho quebrou de vez, mas nunca existiu uma ideia da comunidade de compensar ou ajudar a construir outro patrimônio comunitário como esse, e eu nunca havia refletido tanto assim sobre isso até ler seu texto. A verdade é que é necessário construir essa mentalidade comunitária e é difícil, num mundo que sempre nos propele a seguir no individualismo e pensar em "vencer e superar", manter isso em mente.
Vou adorar visitar esse seu espaço um dia, e acho incrível o que você está construindo, mais uma vez.
Saudades.
ia ser tão lindo se a gente conseguisse recuperar o senso de comunidade...